Translate

Playboy Irresistivel - Capitulo 19



Dezenove

Quando eu era pequena, eu deixava minha família maluca porque eu não dormia por dias antes de feriados ou grandes eventos. Ninguém entendia a razão. Minha mãe exausta sentava ao meu lado noite após noite, implorando para eu dormir. – Dem – ela dizia. – Meu amor, se você dormir, o Natal chega mais cedo. O tempo passa mais rápido quando você está dormindo. Mas isso nunca funcionava comigo. – Não consigo dormir – eu insistia. – Minha mente está muito cheia. Não consigo parar de pensar. Eu passava a contagem regressiva para aniversários e férias totalmente acordada e ansiosa, andando de um lado para o outro nos corredores da nossa casa em vez de dormir no andar de cima. Nunca consegui me livrar desse hábito. Sábado não era Natal ou o primeiro dia das férias de verão, mas eu estava contando cada dia, cada minuto, como se fosse. Pois, por mais patético que pareça, e por mais que eu odiasse estar animada com isso, eu sabia que veria Joe. Só esse pensamento já era suficiente para me deixar de pé à noite, completamente acordada olhando para a janela, contando os postes de luz até seu prédio.
Sempre ouvi dizer que a primeira semana após uma separação é a pior de todas. Eu torcia para ser verdade. Pois receber a mensagem de Joe na terça à noite – “Não consigo parar de pensar em você” – foi uma tortura. Será possível que ele tenha enviado a mensagem para o número errado? Ou será que disse isso porque acabou sozinho, ou porque estava com outra mulher, mas pensando em mim? Eu não podia exatamente ficar brava, e minha indignação inicial pela possibilidade de Joe ter enviado a mensagem enquanto estava com Kitty logo se desvaneceu; lembrei que eu também enviei mensagens para ele enquanto estava num encontro com Dylan. A pior parte é que eu não tinha ninguém para conversar sobre isso. Bom, na verdade, eu tinha, mas a única pessoa com quem eu queria conversar era o próprio Joe. O sol já havia se posto na sexta-feira enquanto eu andava os últimos quarteirões para encontrar Dani e Miley para tomar uns drinques. A semana inteira eu tentei manter uma fronte corajosa, mas na verdade eu estava muito deprimida e já não conseguia esconder direito. Eu parecia triste. Eu parecia exatamente como me sentia. Eu tinha tanta saudade que sentia em cada respiração, em cada segundo que se passava sem ele. O Bathtub Gin era um pequeno bar com visual retrô no Chelsea. Os visitantes são recebidos com uma frente discreta e uma placa dizendo “Stone Street Coffee”. Se você não souber o que está procurando, ou se passar durante a semana quando não existe uma longa fila na entrada, poderia nem perceber do que se trata. Mas se você sabe o que tem lá, não terá problemas em
encontrar a porta iluminada por uma única lâmpada vermelha. Uma porta que se abre para um clube da época da Lei Seca, completo com luz ambiente, jazz ao vivo e até uma grande banheira de cobre no meio do salão. Encontrei Dani e Miley sentadas no balcão, com drinques já esperando por elas e um lindo homem de cabelo preto ao seu lado. – Oi, gente – eu disse, ocupando o banco ao lado delas. – Desculpe pelo atraso. Os três viraram para mim e me olharam de cima a baixo antes do homem dizer: – Ah, meu amor, conte tudo sobre o homem que fez isso com você. Pisquei olhando de volta para eles, confusa. – Humm.. oi, sou eu, a Demi. – Ignore ele – Dani disse, deslizando o cardápio para mim. – Nós também ignoramos. E peça uma bebida antes de falar. Parece que você precisa de uma. O homem misterioso ficou propriamente ofendido, e os três começaram a discutir enquanto eu analisava os vários coquetéis e vinhos, escolhendo a primeira coisa que combinava com meu humor. – Quero um Tomahawk – eu disse para o bartender, notando com o canto do olho a maneira como as duas se entreolharam, surpresas. – Então a coisa está nesse nível, humm? Dani fez um gesto pedindo outro drinque e então tomou a minha mão, conduzindo a todos nós para uma mesa. Na realidade, eu provavelmente apenas deixaria meu coquetel intocado a noite inteira, aproveitando apenas o conforto da opção de poder ficar completamente bêbada. Mas eu sabia que queria correr amanhã, e de jeito nenhum eu iria competir de ressaca. – Aliás, Demi – Dani disse, gesticulando para o homem que agora me olhava com olhos curiosos. – Este é George Mercer, assistente da Miley. George, esta é a adorável e prestes-aficar-chapada Demi Lovato. – Ah, uma peso leve – George disse. – O que é que você está fazendo com essa bêbada de carteirinha? Ela deveria ter uma etiqueta de aviso para garotas como você. – George, você já está merecendo um chute na bunda – Dani disse. George mal piscou. – Com um salto desse tamanho? – Credo, só você gosta dessas coisas – Dani gemeu. Rindo, George disse pausadamente: – Mentirosa. Miley se inclinou com os cotovelos na mesa. – Ignore esses dois. É como assistir Kevin e Dani, com a diferença de que os dois preferem transar com o Kevin do que um com o outro. – Estou vendo – murmurei. Uma garçonete serviu nossos drinques e eu tomei um gole hesitante. – Putz! – comecei a tossir, sentindo a garganta pegar fogo. Tomei quase um copo inteiro de água enquanto Miley olhava para mim. – Então, como vão as coisas? – ela perguntou. – Esse drinque é tão apimentado. – Não foi isso que ela quis saber – Dani disse sem rodeios. Olhei para meu copo, tentando focar nos pedacinhos de páprica flutuando em vez de exagerar o vazio em meu peito. – Vocês conversaram com Joe recentemente? As duas balançaram a cabeça, mas George se animou. – Joe Jonas? – ele esclareceu. – Você está transando com Joe Jonas? – ele chamou a garçonete novamente. – Vamos precisar de outra taça, minha querida. E é melhor trazer a garrafa também. – Na verdade, eu não falo com ele desde segunda-feira – Miley disse. – E eu desde terça-feira – Dani completou. – Mas sei que ele teve uma semana maluca. – Humm. Ele não viajou com você no feriado? George respirou fundo. – Uau, sério? E agora eu era aquela garota, aquela com a história da separação que eu não queria nem na minha mente, muito menos como assunto numa mesa cheia de bebidas. Como poderia explicar que o fim de semana foi perfeito? Que acreditei em tudo que ele falou? Que eu me apaixo… Interrompi esse pensamento, pois não estava pronta nem para pensar nessa palavra. – Demi, meu amor? Miley tocou levemente em meu braço. – Sinto que sou uma idiota. – Linda – ela disse, com olhos cheios de preocupação. – Você sabe que não precisa falar sobre isso se não quiser. – Ah, precisa, sim – George interrompeu. – Como vamos depois transformar a vida dele num inferno se não soubermos todos os detalhes sórdidos? Mas é melhor começarmos do começo e ir devagar até a parte horrível. Primeira pergunta: o pau dele é tão épico quanto eu ouvi dizer? E os dedos… ele são mesmo abre-fecha-aspas mágicos? – ele se inclinou mais perto, sussurrando: – E o maior rumor é que o cara poderia vencer um concurso de chupar manga, se é que você me entende. – George – Miley exclamou, enquanto Dani jogava um olhar gélido para ele. Quanto a mim, eu tive que sorrir. – Não, eu não sei do que você está falando – sussurrei de volta. – Procura no YouTube – ele disse. – Você vai entender vendo a imagem. – Certo, voltando para a parte onde Demi está triste – Miley disse, olhando fixamente para George. – Então, acontece que… – respirei fundo, procurando as palavras certas. – O que vocês podem me dizer sobre Kitty? – Ah – Dani se ajeitou na cadeira e olhou para Miley. – Ah. Eu me inclinei sobre a mesa, juntando as sobrancelhas. – O que esse “ah” significa? – Essa é aquela… quer dizer, essa Kitty é uma das… – George parou de falar e ficou gesticulando como um maluco. – Sim – Miley disse. – Kitty é uma das amantes do Joe. Revirei os olhos. – Você sabe se ele ainda está se encontrando com ela? Dani começou a considerar sua resposta cuidadosamente. – Bom… não sei oficialmente se ele terminou as coisas com ela. Mas, Demi. Ele adora
você. Qualquer um pode… – Mas ele ainda está se encontrando com ela – eu afirmei. Ela suspirou com relutância. – Honestamente, eu não sei. Sei que nós sempre cobramos dele para terminar com as outras, mas não posso… com certeza dizer que ele parou de se encontrar com ela. – E você, Miley? – perguntei. Balançando a cabeça, Miley murmurou: – Desculpe, eu honestamente também não sei. Fiquei imaginando se era possível um coração se partir pouco a pouco. Eu tinha certeza de que senti a primeira fissura quando li a mensagem de Kitty. O segundo pedaço caiu quando ele mentiu sobre a noite de terça-feira. E durante o resto da semana, eu me senti machucada, senti cada pedacinho que ainda restava cair na escuridão, até o ponto de não saber mais o que era aquilo que batia em meu peito. – Eu o ouvi conversando com meu irmão sobre querer algo mais sério com alguém, mas estar com medo de terminar com as outras. Mas então eu pensei que talvez ele quisesse dizer terminar oficialmente com elas. As coisas pareciam boas entre nós. Mas daí Kitty enviou uma mensagem – eu disse. – Eu estava mexendo em seu celular e ela respondeu uma mensagem que ele obviamente enviou para ela, dizendo para se encontrarem na terça à noite. – Por que você não perguntou para ele? – Dani disse. – Eu queria que ele me dissesse por iniciativa própria. Joe sempre gostou de honestidade e comunicação, então imaginei que se eu o convidasse para jantar na terça-feira ele me diria que tinha um encontro com Kitty. – E então? – Miley perguntou. Suspirei. – Ele disse que tinha um compromisso. Uma reunião de noite. – Nossa – George exclamou. – Pois é – eu murmurei. – Então terminei tudo ali mesmo. Mas fiz isso muito mal, porque eu não sabia o que falar. Eu disse que estava ficando pesado demais, que eu tinha apenas vinte e quatro anos e não queria nada sério. Disse que não queria mais isso. – Caramba, menina – George sussurrou. – Quando você quer terminar as coisas, você cava um buraco e joga uma bomba. Eu gemi, pressionando as mãos nos meus olhos. – Deve ter uma explicação – Miley disse. – Joe nunca diz que tem uma reunião quando vai se encontrar com uma mulher. Ele apenas diz que vai se encontrar com uma mulher. Demi, eu nunca o vi desse jeito antes. O próprio Nick nunca o viu desse jeito. É óbvio que ele adora você. – Mas isso importa? – eu perguntei, deixando meu drinque totalmente de lado. – Ele mentiu sobre a reunião, mas fui eu quem disse que deveríamos manter o relacionamento aberto. Acontece que para mim isso significava a possibilidade de outra pessoa. Para Joe, isso era uma realidade que ele já vivia. E todo o tempo ele sempre insistia em algo mais entre nós. – Converse com ele, Demi – Dani disse. – Confie em mim. Você precisa dar uma chance para ele se explicar. – Explicar o quê? Que ele ainda estava se encontrando com ela, de acordo com as regras que eu estabeleci? E depois? O que acontece?
Dani tomou minha mão e apertou. – Daí você ergue a cabeça e manda ele se ferrar pessoalmente.
Eu me vesti assim que os primeiros raios de sol apareceram lá fora e andei os dez quarteirões até a corrida num nervosismo só. A competição aconteceria no Central Park, e o circuito percorria vinte quilômetros entre as trilhas e os caminhos do parque. Várias ruas ao redor foram fechadas para abrigar os caminhões e tendas dos patrocinadores, além da multidão presente, tanto de corredores quanto de espectadores. Agora isso era real. Joe estaria lá, e eu teria que decidir se conversava com ele ou apenas deixava tudo como estava. Eu não sabia se aguentaria qualquer uma das opções. O céu tinha começado a clarear e um frio ainda pairava no ar. Mas meu rosto estava quente, meu sangue se aquecia correndo pelas veias e por meu coração, que batia rápido demais. Eu tinha que me concentrar para puxar o ar em meus pulmões e depois soprar de volta. Eu não sabia para onde estava indo, ou o que estava fazendo, mas o evento parecia bem organizado e, assim que cheguei perto, vi as placas que indicavam onde eu deveria me apresentar. – Demi? Ergui os olhos para ver meu antigo parceiro de treinamento, meu antigo amante, de pé ao lado da mesa de inscrição, olhando para mim com uma expressão que eu não conseguia decifrar. Eu esperava que a minha memória tivesse exagerado sua beleza e o quanto era difícil apenas ficar do lado dele. Mas não era exagero. Joe continuou olhando em meus olhos, e fiquei imaginando se eu iria começar a rir descontroladamente, chorar ou talvez sair correndo se ele chegasse mais perto. – Oi – ele finalmente disse. Abruptamente, estendi minha mão como se ele fosse… fazer o quê? Cumprimentar com um aperto de mão? Meu Deus, Demi! Mas agora era tarde demais, e minha mão trêmula ficou estendida entre nós enquanto Joe olhava para ela. – Ah… então nós… é assim que vai ser? – ele murmurou, limpando a mão na calça antes de apertar minha mão. – Certo. Bom, oi. Como vai você? A situação era comicamente ruim, e só piorava o fato de que eu gostaria de analisar as minúcias disso com Joe, apenas com Joe. De repente, pensei em milhões de perguntas sobre o protocolo pós-separação-constrangedora, e se um aperto de mão é sempre uma má ideia ou era só nesse momento mesmo. Eu me abaixei sem jeito e assinei meu nome antes de receber um pacote de informações de uma mulher sentada atrás da mesa. Ela me deu instruções que eu mal compreendi; eu me sentia como se estivesse debaixo d’água. Quando terminei, Joe ainda estava lá de pé, com a mesma expressão nervosa e esperançosa de antes. – Você precisa de ajuda? – ele sussurrou. Balancei cabeça. – Não, tudo bem. Era uma mentira; eu não fazia ideia do que estava fazendo. – Você precisa ir até aquela tenda – ele disse com um tom de voz gentil, sabendo
exatamente o que eu estava pensando, como sempre, e colocando a mão em meu braço. Eu me afastei e forcei um sorriso. – Pode deixar. Obrigada, Joe. Enquanto o silêncio continuava, uma mulher que eu nem tinha notado começou a falar. – Oi – ela disse. Eu pisquei e a vi sorrindo com a mão estendida para mim. – Acho que ainda não fomos apresentadas. Eu sou Kitty. Levei um tempo para juntar as peças, e quando tudo se encaixou, eu mal contive meu choque. Senti minha boca se abrir e meus olhos se arregalarem. Como ele poderia pensar que isso era remotamente apropriado? Olhei para ela e para Joe, e logo percebi que ele estava tão surpreso quanto eu ao vê-la parada ali. Ele não percebeu sua aproximação? O rosto de Joe era a própria definição da palavra desconfortável. – Ai, Deus – e olhou para nós duas antes de murmurar: – Ah, merda, humm… oi, Kitty, esta é a… – Joe virou-se para mim, suavizando os olhos. – Esta é a minha Demi. Pisquei incrédula. O que foi que ele disse? – Prazer em conhecer você, Demi. Joe me contou tudo sobre você. Eu sabia que eles estavam se falando, mas as palavras não penetravam o eco daquela frase que se repetia em minha mente. Esta é a minha Demi. Esta é a minha Demi. Foi um lapso. Só pode ser isso. Ele estava apenas desconfortável. Apontei para trás. – Eu preciso ir. Virando, saí andando desajeitadamente em direção à tenda das mulheres. – Demi! – ele chamou atrás de mim, mas eu não olhei para trás. Eu ainda estava um pouco tonta quando entreguei minha ficha de informações, peguei meu número e andei até um lugar vazio para me alongar e amarrar meu tênis. Quando ouvi o som de passos, levantei a cabeça, com medo do que iria encontrar. Ver Kitty parada ali foi pior do que pensei. – Ele é mesmo uma figura – ela disse, pregando seu número na frente da camiseta. Desviei os olhos e ignorei o fogo que ardia em meu estômago. – É, pois é. Ela sentou-se num banco e começou a abrir uma garrafa de água. – Sabe, achei que isso nunca iria acontecer – Kitty começou a rir. – Todo esse tempo ele sempre usou a desculpa “Não é você. Sou eu que não quero nada sério com ninguém”. Mas agora que ele finalmente terminou tudo entre nós, é porque quer algo mais. Só que com outra pessoa. Eu me endireitei e olhei em seus olhos. – Ele terminou com você? – Sim. Bom… Nesta semana foi o fim oficial, mas não nos encontrávamos desde… – ela olhou para cima, tentando lembrar uma data. – Desde fevereiro? E desde então ele só cancela nossos encontros. Eu não sabia o que dizer. – Pelo menos, agora eu entendo a razão. Acho que eu fiquei com cara de quem não estava entendendo nada, pois ela sorriu e chegou um pouco mais perto. – Porque ele está apaixonado por você. E se você é mesmo tão incrível quanto ele diz, você não vai estragar tudo.
Não me lembro de cruzar o parque até onde os outros corredores estavam reunidos. Meus pensamentos estavam bagunçados e inquietos. Fevereiro? Nós começamos a correr em… … março. Foi quando começamos a transar… Terça à noite… para poder terminar as coisas pessoalmente. Como um ser humano decente, como um bom homem. Fechei meus olhos quando a força dessa descoberta me atingiu: ele disse tudo isso a ela mesmo depois que eu dei o fora nele. – Você está pronta? Eu me assustei, surpresa ao ver Joe de pé ao meu lado. Ele pôs a mão em meu braço, oferecendo um sorriso hesitante. – Você está bem? Olhei ao redor, como se pudesse escapar para algum lugar e apenas… pensar. Eu não estava pronta para ele ficar tão perto ou conversar como se fôssemos amigos de novo. Eu tinha um pedido de desculpa tão grande para fazer, e ainda queria reclamar muito por ele ter mentido… eu nem sabia por onde começar. Encontrei seus olhos e procurei por qualquer sinal que dissesse que poderíamos consertar tudo isso. – Acho que sim. – Demi? – ele começou, dando um pequeno passo em minha direção. – Sim? – Você… você vai se sair muito bem – seus olhos procuraram os meus, pesados de ansiedade, e isso fez meu estômago se retorcer com culpa. – Sei que as coisas estão estranhas entre nós. Apenas tire tudo da cabeça. Você precisa estar aqui, com a cabeça na corrida. Você treinou muito para isso e vai conseguir se sair muito bem. Suspirei e senti a primeira onda de nervosismo pré-corrida, que não tinha nada a ver com Joe. Massageando meus ombros, ele murmurou: – Está nervosa? – Um pouco. Pude ver o momento em que ele entrou no modo treinador e senti um pouco de conforto nisso, aproveitando essa familiaridade platônica. – Lembre-se de cadenciar o ritmo. Não comece rápido demais. A segunda parte é a pior, e você precisa reservar um pouco de energia para o final, certo? Concordei com a cabeça. – Lembre-se, esta é a sua primeira corrida e seu objetivo é cruzar a linha de chegada. Não se importe com a posição de chegada. Lambendo meu lábios, eu respondi: – Certo. – Você já correu quinze quilômetros antes; você consegue correr vinte. Estarei ao seu lado, então… vamos fazer isso juntos. Olhei para ele surpresa. – Você pode chegar numa boa posição, Joe. Isso não é nada para você… Você deveria ficar lá na frente. Ele balançou a cabeça.
– Essa corrida não é sobre isso. A minha corrida é daqui a duas semanas. Esta aqui é sua. Já disse isso antes. Assenti novamente, um pouco atordoada, sem conseguir desviar os olhos de seu rosto: olhei para a boca que me beijou tantas vezes, e queria beijar apenas a mim. Olhei para os olhos que me olhavam atentamente sempre que eu dizia alguma coisa, sempre que eu o tocava. Olhei para as mãos que agora tocavam meus ombros, as mesmas que já tocaram todos os centímetros da minha pele. Ele disse para Kitty que queria ficar comigo, apenas comigo. Ele já tinha falado isso para mim. Mas eu não tinha acreditado. Talvez o jogador realmente não existisse mais. Com um último olhar, Joe tirou as mãos dos meus ombros e pressionou a palma nas minhas costas, conduzindo meu corpo para a linha de partida.
A corrida começou no canto sudoeste do parque, perto do Columbus Circle. Joe fez um gesto para eu acompanhá-lo, e então comecei a rotina: alongamento da perna, dos quadris, das costas. Ele observava em silêncio meus movimentos e mantinha um contato tranquilizador. – Segure um pouco mais – ele disse, pairando sobre mim. – Respire fundo. Eles anunciaram que era hora de começar e tomamos nosso lugar. O estampido da pistola ecoou no ar, e os pássaros voaram das copas das árvores. A súbita corrida de centenas de corpos criou um som único que preencheu tudo ao redor. A rota da maratona começava na rotatória do Columbus Circle e seguia pela pista exterior do Central Park, fazendo uma curva perto da Rua 72 e voltando para o começo. O primeiro quilômetro é sempre o mais difícil. No segundo, a visão começa a embaçar nos cantos e você apenas escuta o som abafado das passadas na trilha e o sangue bombeando em seus ouvidos. Nós mal nos falamos, mas eu podia ouvir cada passo de Joe atrás de mim, além do ocasional contato de seu braço contra o meu. – Você está indo muito bem – ele disse na altura do quarto quilômetro. No décimo quilômetro, Joe me lembrou: – Já estamos na metade, Demi, e você está chegando ao seu melhor ritmo. Senti cada centímetro do último quilômetro. Meu corpo doía; meus músculos passaram de endurecidos para molengas, depois pareciam queimar até quase ter câimbras. Eu podia sentir minha pulsação martelando em meu peito. A batida pesada espelhava cada passada, e meus pulmões gritavam para que eu parasse. Mas minha mente estava calma. Era como se eu estivesse debaixo d’água, com vozes abafadas juntando-se até formar um único zumbido constante. Mas uma voz era clara: – Já estamos no último quilômetro. Você vai conseguir. Você é incrível, minha Ameixa. Quase tropecei quando ele me chamou assim. Sua voz estava doce e carente, mas, quando olhei para ele, seu queixo estava apertado, com olhos colados à frente. – Desculpe – ele disse, rouco e imediatamente arrependido. – Eu não deveria… Desculpe. Balancei a cabeça, lambi os lábios e voltei a olhar para frente, cansada demais até para estender o braço e tocá-lo. Fui atingida pela percepção de que este momento era provavelmente mais difícil do que qualquer prova que fiz na faculdade, e qualquer noite de pesquisa no laboratório. A ciência sempre veio fácil para mim – eu estudava muito, é claro, fiz minha lição de casa –, mas nunca tive que ir tão fundo e fazer tanto esforço para continuar
quando tudo que eu queria era desabar na grama e ficar lá. A Demi que encontrou Joe naquela manhã gelada nunca conseguiria correr vinte quilômetros. Ela tentaria sem muito entusiasmo, ficaria cansada e, após concluir que esse não era seu forte, teria voltado para o laboratório e seus livros e seu apartamento vazio cheio de refeições congeladas para uma pessoa. Mas não esta Demi, não agora. E ele me ajudou a chegar até aqui. – Quase lá – Joe disse, ainda me encorajando. – Sei que está doendo, sei que é difícil, mas, veja só – ele apontou para um grupo de árvores ao longe –, você está quase lá. Tirei o cabelo do meu rosto e continuei, respirando para dentro e para fora, querendo que ele continuasse falando, mas ao mesmo tempo querendo que ele calasse a boca. Sangue bombeava pelas minhas veias, cada parte de mim parecia ligada a um fio elétrico, levando um choque de mil volts que vazava do meu pé para o chão em cada passada. Nunca estive tão cansada em minha vida, nunca senti tanta dor, mas também nunca me senti tão viva. Era uma loucura, mas mesmo com membros que pareciam pegar fogo, e com cada respiração mais difícil do que a anterior, eu mal podia esperar para fazer de novo. A dor valeu o medo de falhar ou de me machucar. Eu desejei algo, corri os riscos e mergulhei de cabeça. E com esse último pensamento em minha mente, segurei a mão de Joe quando cruzamos a linha de chegada juntos.

0 comentários:

Postar um comentário

 

© Template Grátis por Cantinho do Blog. Quer um Exclusivo?Clique aqui e Encomende! - 2014. Todos os direitos reservados.Imagens Crédito: Valfré